Matéria publicada em 12 de março de 2013 em Zero Hora:
André Mags
Um dos belos olhos azuis de Isabela Hartmann Rost, 14 anos, foi tomado pela escuridão às 12h5min de quinta-feira passada, quando ela atravessava a Avenida Nilo Peçanha, em Porto Alegre.
Ao lado do namorado, a aluna do 1º ano do Ensino Médio saía da aula no Anchieta, um dos mais tradicionais colégios da Capital, para tomar a carona no carro do pai, quando foi atingida em cheio no olho direito por um ovo.
O objeto se despedaçou, e a estudante entrou em pânico no meio do canteiro central da avenida movimentada.
— Estou cega — gritou para o pai, aos prantos.
Leia entrevista com a adolescente
Leia entrevista com a adolescente
Levada imediatamente ao Banco de Olhos, foi examinada, tratada e recebeu um alerta. Não se tratava de uma ferida momentânea, causada por um ovo aparentemente inofensivo. Há o risco de o ferimento avançar para catarata ou glaucoma. Diante da gravidade do diagnóstico, o medo de ter a visão comprometida no olho machucado virou o centro das preocupações de Isabela. Sua vida passou a ser regida pelos horários de uso de seis colírios, por idas diárias ao oftalmologista e acompanhamento rígido da pressão ocular.
— Os médicos nos disseram que seria preocupante que a pressão subisse para mais de 40. Se isso for constatado, ela tem de ir para a cirurgia — disse a mãe de Isabela, a funcionária pública federal Cláudia Hartmann, 45 anos.
O ataque à adolescente foi fruto de uma brincadeira que ocorre há anos no colégio, dizem familiares de alunos, como a psicóloga gerontológica Rosa Helena Schuch Santos, 55 anos. Ela afirmou que os trotes vêm crescendo no Anchieta:
— Nós tínhamos de comprometer mais a sociedade, os familiares, e não só cobrar da escola. E também estamos cobrando uma atitude do colégio, mas sozinho não conseguirá dar conta disso. A escola precisa dos pais e os pais precisam da escola.
O ataque caiu na rede social Facebook e mobilizou parte da comunidade escolar. Quase 400 compartilhamentos foram gerados na página da mãe de Isabela. Ao mesmo tempo, o Facebook reuniu comentários chocantes sobre o trote, protagonizados pelo suposto autor do arremesso do ovo e de seus apoiadores. "Fui eu que acertei a mina", escreveu o adolescente, que seria aluno do 3º ano. "Hahahahaha, a cena mais linda", completou uma amiga do suposto agressor. "Tu vai ser meu ídolo até o fim dos tempos!!!!! Que coisa linda", repetiu a garota.
Para entidade que representa colégios, caso é isolado
O ataque não é tratado como bullying, já que a adolescente atingida aparentemente não sofria perseguições do suposto agressor. No entanto, chama a atenção a ocorrência de trotes no Colégio Anchieta, enquanto o Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado no Estado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS) considerava essa prática erradicada dos colégios particulares há cerca de 10 anos. O presidente da entidade, Osvino Toillier, ficou surpreso ao saber do caso.
— É um fato absolutamente isolado. As escolas têm convertido tanto o início como o fim do ano em celebrações entre os alunos, com estratégias de trabalhar a recepção e a despedida com atividades para desabilitar esse sentimento, digamos, não muito positivo, em eventos com os pais, com os alunos menores — afirmou.
Os trotes seriam promovidos por alunos do 3º ano do Anchieta, especialmente voltados contra estudantes do 2º ano. A diretoria do Anchieta se manifestou por meio de nota, garantindo que irá apurar os fatos.
A professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Denise Miguel, pesquisadora sobre violência escolar e juventude, lembrou de uma lei catarinense que proíbe a realização de trotes como o que feriu a adolescente no Anchieta. Ela ressalta que o colégio deveria apoiar os trotes cidadãos — aqueles em que os novatos são instados a doar sangue ou levar doações de alimentos e roupas. Também sugere muito diálogo com os alunos e pais.
— O rapaz tem que ser responsabilizado, isso é certo. E a escola tem de fazer um processo de reflexão. O fato se deu fora da escola, mas mesmo assim cabe à instituição cuidar, já que são relações estabelecidas dentro dela. Quanto aos pais, é preciso discutir a questão dos limites, qual o sentido da liberdade e até onde ela vai.
Contraponto
O que diz a direção geral do Colégio Anchieta, por meio de comunicado:
"Diante do episódio ocorrido entre um aluno e uma aluna, o Colégio Anchieta está tomando as providências preconizadas pelo Regimento Interno. O fato, sem dúvida, é profundamente lamentável e tal comportamento não pode ser aceito. Infelizmente, o controle absoluto, por vezes, é impossível, sobretudo, ocorrendo em via pública. O Anchieta, conforme dito acima, está analisando o episódio internamente e a partir da sua proposta de convivência escolar, que se caracteriza por um adequado comportamento social, ouvindo as partes interessadas. Agredir um colega sempre é um desrespeito aos princípios da convivência humana em qualquer lugar."
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