domingo, 6 de novembro de 2011

Steve Jobs: A Biografia Exclusiva | Carta Capital

Steve Jobs: A Biografia Exclusiva | Carta Capital




A tecnologia engendra o futuro e, graças a Steve Jobs, delineou a próxima fase na evolução doHomo sapiens com seu cérebro inacreditável. A sede da Apple no Vale do Silício fica em uma rua galáctica chamada Infinite Loop e Jobs se sente em casa nessa localização abstrata. Sua cor preferida era o branco e os edifícios transparentes que ele ajudou a projetar tinham escadas de vidro em espiral na forma de espirais de DNA. Ele acreditava ser “iluminado”, alguém da mesma estatura que Gandhi ou Einstein.
Conforme Walter Isaacson relata em sua biografia incisiva, Jobs se comportava como um super-homem de Nietzsche usando sua vontade – transmitida através de um olhar penetrante – como um aparelho de controle remoto que induzia os outros a cumprirem suas ordens. Na infância, ele fez seus pais venderem a casa e comprarem outra além de seus recursos financeiros para que ele pudesse se matricular em uma escola melhor. Já adulto, ele dirigia sua Mercedes prateada com a velocidade do pensamento e estacionava em vagas reservadas para deficientes físicos: as regras normais eram para os mortais comuns. Ao ser diagnosticado com câncer no pâncreas, ele se recusou a passar por uma cirurgia achando que poderia vencer a doença por meio da força mental – afinal, estava na estúpida e novidadeira Califórnia – e de uma dieta à base de “ervas orgânicas, jejuns intercalados com sucos e limpezas intestinais frequentes”.
Pelo lado positivo, Jobs geralmente tinha o ar sereno de um monge budista, assim como as geringonças brancas ou prateadas que ele vendia exemplificavam um estilo que Isaacson chama de “tecnozen”. Ele discutia negócios de milhões de dólares enquanto andava descalço no campo e comprou uma mansão na qual se sentava em posição de lótus no chão porque desaprovava o acúmulo de bens materiais e tinha objeções teóricas a móveis.
Seu lado pior, segundo disse um colega, era quando virava um Rasputin. Ele gritava com subalternos chamando-os de “idiotas incompetentes” e os demitia abruptamente, e seu temperamento vingativo funcionava como um míssil guiado. Durante uma controvérsia com o Google, ele declarou que pretendia “desencadear uma guerra termonuclear”.
Jobs compareceu à primeira festa de Halloween na Apple fantasiado de Jesus Cristo, e seus admiradores mais devotados o tratavam como Deus Todo Poderoso, o criador de novos mundos. Os lançamentos de produtos eram encenados como recriações da Gênese, revelando invenções que pareciam, como o próprio Jobs disse sobre o Macintosh de 1988, visitantes “de outro planeta. Um planeta bom que tem designers melhores”.
Os consumidores acreditavam em seus produtos com fervor absoluto. O iPhone ganhou logo o apelido de “telefone de Jesus” e,quando Jobs apareceu no dia de seu lançamento na loja local da Apple, foi saudado, segundo Isaacson, como Moisés teria sido “se entrasse ali para comprar a Bíblia”. A chegada do iPad fez um jornalista refazer a metáfora observando: “Da última vez em que houve tamanha comoção com uma tabuleta, havia alguns mandamentos inscritos nela”.
Contudo, o salvador fedia fisicamente e, às vezes, moralmente. O jovem Jobs detestava desodorantes e raramente tomava banho, confiante de que sua alimentação vegana ou à base de frutas o purificava internamente. Apesar de sua afirmação em tom de sermão de que pagar por downloads de música disseminava um “karma bom”, às vezes ele mentia para os colegas e concorrentes e roubava o crédito por ideias alheias. Homem da era da mídia, não tinha a menor habilidade nas relações humanas diretas – filho adotado que se ressentia por ter sido abandonado pelos verdadeiros pais, abandonou sua própria filha nascida de um relacionamento informal; amante escorregadio e narcisista, durante seu caso com Joan Baez insistiu que ela devia ter um determinado vestido da grife Ralph Lauren, levou-a ao shopping para vê-lo e, depois de comprar algumas camisetas para si mesmo, foi embora deixando-a sozinha para comprar o vestido e pagá-lo com seu próprio cartão de crédito (o que ela se recusou a fazer). Um fato que revela bem o caráter de Jobs foi sua insistência para que Isaacson escrevesse sua biografia porque, em suas próprias palavras, “Quero que meus filhos me conheçam”. Será que ele achava que um livro substituía a contento a atenção e o carinho paterno?
Isaacson capta com precisão essas contradições e, em parte, as justifica situando Jobs na incômoda interseção entre duas gerações com crenças opostas. Nascido em 1955, ele pertencia ao malcriado clã dos baby-boomers que se rebelaram contra o conformismo suburbano de seus pais. Ele abandonou a faculdade, época em que tomava ácido lisérgico, visitou gurus na Índia e idolatrava Bob Dylan. Mas, embora tenha vindo da contracultura, ele se tornou um símbolo da cultura corporativa e até contratou Issey Miyake para criar um uniforme para os funcionários da Apple.
Ele podia desprezar os bens materiais, mas seu negócio se baseava em instigar os desejos consumistas dos outros. A revolução com a qual ela sonhava na época do “flower power” acabou sendo eletrônica, não política. O ex-hippie vendeu seus iPods e iPhones para hipsters sem o menor interesse em mudar o mundo, mas com a maior disposição para usufruí-lo enquanto se deleitam com sua biblioteca de bolso do iTunes e navegam em nuvens digitais conversando com amigos que provavelmente jamais conhecerão ao vivo. Praticamente cometendo uma blasfêmia, Isaacson questiona a finalidade dos equipamentos eletrônicos que hoje em dia são obrigatórios para quem quer parecer jovem, moderno e antenado: Os programas do iPad , diz ele, colocam o mundo ao alcance dos dedos, e com isso,fazem você  ”desperdiçar gloriosas parcelas de tempo”.
Por ser honesta, a biografia é áspera com frequência, mas confere a Jobs uma espécie de desespero trágico quando, com o aparecimento do câncer, ele descobre que sua mente infinitamente engenhosa está instalada em um corpo falível. Cerebral a ponto de preferir jejuar do que comer, ele acabou sendo comido vivo por seu sôfrego tumor.
Isaacson lamenta os acessos de raiva pueris de Jobs, mas reconhece que essa infantilidade – exemplificada por seu blockbuster Toy Story pela Pixar – fazia seus produtos serem não só ferramentas, como brinquedos encantadores. Quando se tira a capa do iPad 2, relata Isaacson, a tela “ganha vida como o rosto de um bebê que sente cócegas”. Essa bela frase resume o legado de Jobs: ele de fato redesenhou o universo e nos fez lembrar de que ele sempre pode nos surpreender.


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